O ano de 1966 foi especial para o futebol mineiro. Recm-inaugurado, o Mineiro tinha apenas um ano de vida. Na poca, havia somente uma competio nacional, a Taa Brasil, apesar de o Torneio Rio-So Paulo reunir os clubes mais importantes do pas, at ento. Mas era da Taa Brasil que, desde 1959, saa o representante brasileiro na Copa Libertadores. E coube ao Cruzeiro, h 50 anos, levantar o trofu derrotando o Santos de Pel, considerado o melhor time do mundo.
Saiba mais 27y6v
O que o ttulo do Cruzeiro sobre o Santos de Pel em 1966 seria hoje? dolos respondem Dirceu humilde, time de Cristo e provocao do Santos: os 'causos' do Cruzeiro campeo Fotos do Cruzeiro campeo da Taa Brasil de 1966 e de seus heris nos ltimos 50 anos O caminho do Cruzeiro na Taa Brasil de 1966 A aventura de um menino em 1966 Torcedora cruzeirense de 103 anos realiza sonho ao conhecer campees da Taa Brasil de 1966

Eles esto juntos novamente. Agora, em um momento de recordao. Raul, Procpio, Neco, Dirceu Lopes, Natal e Evaldo se reencontraram no Mineiro para relembrar a primeira grande conquista de suas carreiras, pois foi ali que, para eles, tudo comeou. E quando surgem as histrias, os apelidos, as brincadeiras, as horas difceis. Como se sentiam nos momentos que antecediam os jogos? O que ocorreu no intervalo entre uma partida e outra da final? E a sensao de levantar a taa com duas vitrias incontestveis sobre o Santos de Pel?
Era um tempo em que eles eram meninos. “A gente brincava de esconde-esconde na Toca da Raposa, que tinha sido inaugurada naquele ano”, lembra Raul, o goleiro da camisa amarela. Alis, o uniforme que ele usava o fez recordar que no tinha uma camisa para vestir quando chegou ao Cruzeiro e que foi o lateral-esquerdo Neco que emprestou a dele, amarela. “Como o Cruzeiro ganhou, virou a camisa da sorte. Mas eu s levei desvantagem com aquela camisa, pois era chamado de bicha, de Vanderlia. Mas, quer saber, eu nem ligava.”
Prximo dele est Evaldo, o centroavante do time, que nunca tinha jogado com a camisa 9. Dizem at que foi ele quem ensinou Tosto a jogar como jogou na Copa de 70. “Nem me fale isso. Quem sou eu pra ensinar o Tosto. A vantagem daquela equipe que a gente ficava muito tempo no mesmo time. No como hoje, que troca a cada ano. Isso ajudou muito, pois criamos uma amizade quase de irmos. ramos uma famlia.”

Acompanhe a resenha dos campees brasileiros de 1966:
Insegurana
Enfrentar o Santos, segundo eles, assustava. “Antes de entrar em campo, no pensvamos em nada. amos enfrentar o Santos. Era o time de nossos dolos. No havia entusiasmo. Ia jogar contra Gilmar, Pel, Carlos Alberto. No pensvamos nas consequncias. Era a primeira vez que teramos Pel pela frente. Alm do mais, ningum dava muita importncia, a no ser a torcida do Cruzeiro. No havia TV, s jornal em preto e branco”, conta Raul.
“Raul tem razo. Pra ser sincero, a gente nem falava que estvamos numa final de Taa Brasil. O Santos era o bicampeo do mundo. Acho que a gente no pensava que venceria. Antes de sair de casa, minha me me falou: v se toma de pouco”, confessa Natal.
Dirceu Lopes tambm confirma que no havia sonho de vitria. “A gente no tinha ideia do que aconteceria, por isso nem pensava em vitria. A preocupao maior, pelo menos minha, era de no dar vexame. Eles eram nossos dolos.”
Mas um defensor, Neco, estava confiante. “Nosso time era bom. Tnhamos um bom toque de bola. Eu acreditava que a gente podia vencer. Era s fazer nosso jogo. Tnhamos um entrosamento fantstico. Nossos jogadores de frente eram velozes.”
Procpio pensava como ele. “Sei que seria difcil, mas achava que poderamos vencer. Tnhamos de ganhar o primeiro jogo. Na poca, era uma melhor de trs. Sabia tambm que a chance seria se no houvesse o terceiro jogo.”
Evaldo estava pessimista: “Estamos perdidos. Estamos liquidados. Como vamos segurar esses caras? Vo fazer uns quatro. Era s o que podia pensar”.

Surpresa
No primeiro confronto, no Mineiro, algo inimaginvel: termina o primeiro tempo com 5 a 0 para o Cruzeiro. Ningum acreditava. Nem os jogadores, nem os torcedores.
Raul lembra que desceu para o vestirio com Dirceu Lopes: “Perguntei a ele quanto estava o jogo. Quando ele respondeu 5 a 0, no acreditei e voltei para ver o placar. A, disse: mesmo. E pensei: esses caras esto com muita raiva da gente”.
Comea o segundo tempo e o Santos faz dois, antes dos 10min. “Ih, os caras voltaram nervosos. Acabou”, conta Natal.
“Mas o time se tranquilizou e ou a tocar a bola. Equilibramos a partida novamente. Veio o gol do Tosto. Pronto, era o sinal de que a vitria no primeiro jogo era nossa”, lembra Procpio.

Determinao
Vem o segundo jogo. Para a maioria dos jogadores, a novidade maior, segundo Evaldo, era atuar em So Paulo. “Viajamos de avio, algo novo pra gente. E era para a final. amos enfrentar Pel e o Santos novamente. E eles deviam estar com a gente por aqui, atravessados na garganta”, diz Evaldo.
Era um dia chuvoso. O gramado estava encharcado. “A gente no conseguia tocar a bola e logo o Santos fez 2 a 0”, lembra Dirceu Lopes, que disse que o time foi para o vestirio e a tristeza era grande. Natal lembra que o uniforme estava muito molhado e sujo. A chuteira, molhada, bastante pesada. “Mas no tinha essa de trocar de chuteira ou de uniforme. Era um s. Devia durar pelo menos dois anos. No podamos nem sequer trocar a camisa com um adversrio. No outro jogo no teria uniforme”, recorda o atacante.
Raul diz que v dois homens de terno descendo para o vestirio do Cruzeiro e que eles no eram do clube. “Eles conversavam e percebi que falavam em terceiro jogo. Conhecia os dois, pois tinha jogado no So Paulo antes de vir pro Cruzeiro. Eram o Mendona Falco, presidente da Federao Paulista, e o Ati Jorge Cury, do Santos”, recorda o goleiro.
O que ocorre a seguir, no intervalo, dentro do vestirio do Cruzeiro, foi percebido por poucos. Uma cena que Procpio jamais se esquecer. “Vi o Felcio (Felcio Brandi, presidente do Cruzeiro) discutindo com os dois engravatados. Ouvi o presidente, aos berros, afirmando: 'O jogo no acabou e no vai ter terceira partida.' Aquilo mexeu com a gente. Estavam duvidando da nossa capacidade”, revela o zagueiro.

Coragem
Na volta para o segundo tempo, a chuva havia parado. “Foi um alvio. Tinha at chovido granizo no primeiro tempo”, lembra Raul. Dirceu ficou entusiasmado, pois a drenagem do gramado era boa e no havia mais poas. “O campo liso era o que queramos. Poderamos fazer nosso jogo”, diz o camisa 10.
Pnalti para o Cruzeiro e Tosto perde a cobrana. Mas, logo em seguida, uma falta e o mesmo Tosto faz o primeiro gol. Alguns minutos depois, Dirceu Lopes marca o segundo e empata o jogo.”
O Santos vai com tudo ao ataque mas, no finalzinho, Dirceu pega uma bola no meio e lana Natal, que arranca cortando da direita para o meio e manda um balao no ngulo esquerdo. Era o terceiro gol do Cruzeiro. O gol que garantiu o primeiro ttulo nacional para a Raposa.
Para Dirceu Lopes, “foram os jogos da minha vida. No Mineiro, fiz trs, sofri o pnalti e lancei o Natal. No Pacaembu, fiz um um e dei e pra outro, alm de ter participado dos lances do pnalti e da falta. Nunca, jamais esquecerei esses momentos. Lembro que, antes do fim do jogo, o Pel xingava todo mundo de seu time. No queria perder novamente”.

Satisfao
Conquistar o ttulo no Pacaembu, em So Paulo, e acreditar no feito de derrotar o Santos, de Pel, segundo eles, s foi possvel quando chegaram a BH. “L, recebemos a taa. Samos do estdio e fomos para o hotel. No havia nada de diferente. S a gente sabia que era campeo”, lembra Procpio.
Mas quando chegaram ao Aeroporto da Pampulha foi muito diferente. “Havia uma multido, cheio de bandeiras”, conta Evaldo. “Da, subimos no caminho do Corpo de Bombeiros com a taa e desfilamos pela cidade. At ao longo da Avenida Antnio Carlos, onde quase no havia casas do aeroporto at o IAPI, estava cheio”, diz Dirceu Lopes.
Foi a, segundo Natal, que eles entenderam o que haviam feito: “Pensei l trs, nos dois jogos. A gente tinha gordura pra queimar do primeiro jogo. No segundo, foi de virada. Demais. Foi quando nos encontramos com a torcida que entendemos o que havamos feito, a grandiosidade da conquista”.